quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Máyra


 

 Todos os dias vou para o meu trabalho. Amo receber os primeiros pacientes para o acolhimento. Vejo seus olhinhos aflitos e tento levar um pouco de paz. Um pouco de alento. Explico para o paciente e os acompanhantes tudo o que vai acontecer.

O paciente chega e coloca os sapatinhos cirúrgicos. Entrega a sua carteirinha para a gente preencher a medicação e o peso. Vai para a balança pesar. Escolhe sua cadeira. Eles geralmente tem a cadeira preferidas deles, vamos meio que entendendo qual é e já colocando a plaquinha para eles, com o nome deles grande e a data de nascimento. As medicações da quimioterapia vem etiquetadas, com o nome também.

Eu gosto de ir além. Gosto de olhar as pastas dos pacientes e saber o histórico de cada um. Saber da evolução, em que fase se encontram do tratamento.

É inevitável que eu me aproxime mais de alguns. Sinta mais afeição. Nessa profissão não dá para se manter distante. Realmente não dá. Afinal, foi por isso que escolhi a área da saúde, para apoiar o próximo.

Outro dia, ganhei um brinquinho cor de rosa de uma paciente. Foi no mês do outubro rosa. Amo usar esse brinquinho. É um carinho que voltou para mim em forma de brinquinho. Significa além do material, significa um gesto singelo. Um elo entre paciente e cuidadora.

Quando isso acontece, então, eu conto a minha história pessoal. Eu venci o câncer! Sim! Eu mesma tive câncer. E estive do outro lado. Levei agulhadas, sofri com cada momento e efeito colateral e estou aqui! Viva e bem para ajudar nessa caminhada quem vem chegando.

As pessoas não tem ideia de quantos adoecem a cada ano. Vivem suas vidas alheias a esse mundo bem real. Agora mesmo estou aqui ajudando as pessoas e minha mãe também está com câncer. Mesmo assim, coloco um sorriso no rosto e vou trabalhar.

Todo dia recebendo com amor, atenção, cuidado e profissionalismo. Amo ser enfermeira.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Trauma de agulhas


 

 

Decidi encarar de frente o tratamento do Câncer.

Se tiverem que me colocar de cabeça para baixo eu to aceitando tudo.

Porém me deparei com problemas de percurso.

Comecei a ter dificuldades de acesso às veias.

Mais de uma furada para conseguir. No meio da caminho a veia não aguentava. Mais furadas.

E assim, na véspera de ir para a quimio a ansiedade inevitavelmente tomava conta. Até porque minhas sessões na segunda rodada passaram a ser semanais.

Então, aconteceu. Eu acordei chorando no dia da quimioterapia e não conseguia parar de chorar. E fui chorando e entrei na sala chorando. E os enfermeiros também já estavam tendo, lá, a ansiedade deles.

Um enfermeiro super gentil perguntou se eu queria desabafar sobre alguma coisa, algum problema familiar, qualquer coisa, eu só queria ser furada logo, sofrer logo e ponto. Apenas respondi fure logo.

Ele amorosamente viu a oxigenação do sangue, as batidas do coração, a pressão.... tudo ok....

Estava chorando resignada, então.

Chamaram uma técnica. Ela veio. Eu chorando. Examinou, examinou, tudo já estourado. Era a décima primeira sessão. Olhou, olhou, pegou, pegou, mudou de braço. Olhou, olhou, pegou, pegou, mudou de braço.

Eu silenciosamente orei um pai nosso. Porque não conseguia fazer uma oração estruturada, mas Deus já sabia. Jesus já estava lá a postos, seus anjos, todos.

Ela furou de primeira e a veia recebeu o soro passado como teste. Eu não senti nada, nada da picada.

Olhei para ela e disse: - Essa foi a furada mais delicada que recebi na vida. 

Ela sorriu.

E a veia aguentou até o final mais de quatro horas e meia de medicação.

Deus é bom. Deus é um Deus de detalhes e ele sabe até onde a gente aguenta.